“Ela está aqui e disse que vai te esperar”.
Desliguei o telefone e abandonei imediatamente o que fazia para ir até a tenda branca reencontrar o abraço caloroso de Dona Miúda. Quando a vi sendo fotografada, sua história passou pela minha cabeça: a infância em Quartel do Indaiá; o trabalho com a mãe e os irmãos na roça; o primeiro e único dia na escola; os anos vividos em Belo Horizonte; o retorno para São João da Chapada; o casamento; o trabalho nos campos de sempre-viva; as noites dormidas nas lapas de quartzito; o chula; a cantoria e a toada do prato tocado com a mão.
Dona Miúda tem aquela força da mulher que se diz sofredora, mas que carrega no rosto um sorriso largo, como que para contrariar a tristeza.
O retrato ficou pronto, mas ela não estava lá para buscá-lo. Sua foto e a de dona Maria Macarrão dependuradas no varal representavam, para mim, uma população ilustre e desconhecida de origem mineradora, extrativista; uma gente bravia e negligenciada, esquecida nos grotões da serra do Espinhaço, no Alto Jequitinhonha.
Eu me ofereci para levar os retratos até São João da Chapada. Cheguei lá de surpresa. Dona Maria Macarrão não estava e dona Miúda recebeu os retratos com o ar de surpresa: “mas se eu colocar na sala isso vai espantar as visitas! Crê em deus pai!”.
Mostrei que ao dobrar a cartolina, o retrato ganhava um “porta-retrato”. Ela achou graça, ofereceu um café e seguiu com a prosa sem se dar conta que aquele retrato, sobre a prateleira nua, havia encontrado o seu lugar.
TEXTO: Mariana Lacerda
FOTOS: Marcus Desimoni e Rogério Santiago
Mariana Lacerda e Dona Miúda, em São João da Chapada.