Tudo chegava pelo Carlinhos. Do óbito ao gol. Domingueiros o tinham como ponto cardeal nos intervalos entre o pão, o “vão com Deus e que o Senhor vos acompanhe” da missa e o almoço de família.
As mestras o tratavam como enciclopédia. Os “para casa” sugeridos aos alunos sempre levavam uma missão a lhe envolver. Pesquisa sobre geografia, recorte de palavras para alfabetização e fotos de natureza para o trabalho de ciências. Todas as respostas só se conseguia na banca do Carlinhos na praça de Bocaiúva/MG, cidade central do planeta.
Mas certo dia veio a notícia que mudaria para sempre a vida dele. Algo mais estrondoso do que o eclipse. Uma tal de internet prometia saber de tudo, assim como sua banca.
Passaram-se os anos e junto dessa ameaça, uma caixinha preta começou a deformar o corpo humano. Ficava na ramificação do braço e como um vírus, fazia o hospedeiro lhe tocar freneticamente com a ponta dos dedos. O nome científico daquela aberração genética era “smartphone”, popularmente conhecido por “celular”. Provocava vício, demência e dependência química por utilizá-la sempre que fosse preciso raciocinar. Ela matava aos poucos a necessidade de pensar.
Carlinhos não percebeu, mas as revistas começaram a encalhar. Preocupou-se quando viu que ninguém ia mais buscar as manchetes dos jornais. Seu templo do conhecimento sobre o planeta tornou-se um mero balcão para dar notícias dos passantes.
Solidão passou a ser a dica cervical das palavras cruzadas que também se empoeiravam sem compradores. Carlinhos percebeu que a tal doença da caixinha preta veio para lhe tirar o sustento. Mas longe de desistir, todos os dias, lá está ele na banca do centro do planeta Bocaiúva a esperar o fim desse pesadelo.
Carlinhos precisa acreditar num antídoto capaz de fazer as pessoas se livrarem da maldição da caixinha preta e das respostas fáceis sem leitura e raciocínio.